Texto: Ana Ornelas | Revisão: Felipe dos Santos | Fotos: Maximiliano Pedro Albino
“Uma coisa é ouvir falar, outra é ver com os próprios olhos”. Foi com essa certeza que o médico e professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Dr. Rubens Bedrikow, retornou de sua segunda viagem a Angola, realizada neste primeiro semestre de 2025. A convite do Ministério de Saúde angolano, ele integrou uma comitiva brasileira formada pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e pelo Ministério da Saúde do Brasil. A missão, voltada à troca de experiências entre os dois países, levou os participantes a hospitais e centros de saúde em diferentes províncias, com o objetivo de estreitar laços e levantar novas demandas para ações formativas e extensionistas. A visita faz parte de um novo acordo internacional que prevê a capacitação de 38 mil profissionais da saúde em Angola. A Unicamp, que já mantém vínculos históricos com o país africano, tem atuado ativamente nesse processo, promovendo ações de extensão e estágios para médicos angolanos em Campinas.
Logo ao chegar, a comitiva participou de um evento oficial em Luanda, capital do país. Na sequência, seguiu viagem para as províncias de Bié e Huambo. “Foi muito bom sair da capital e conhecer outras regiões. Em Bié, que é chamada de ‘Coração de Angola’, fomos recebidos com muito carinho. Uma equipe de enfermagem chegou a nos recepcionar cantando”, lembrou. Segundo ele, os hospitais visitados surpreenderam pela estrutura física, mas também deixaram evidente a necessidade de fortalecimento da atenção primária.
Em Huambo, Bedrikow conheceu um centro de reabilitação batizado com o nome da princesa Diana, em homenagem à visita da britânica em 1997. O espaço é referência no atendimento de pessoas amputadas por minas terrestres, resquício da guerra civil angolana, que se estendeu até 2002. “Eles têm um conhecimento impressionante na fabricação de próteses”, destacou. Acidentes de trânsito também compõem a realidade local, muitas vezes agravados pelo uso de veículos precários e superlotados.

A realidade local se fez ainda mais presente durante a visita a uma ala infantil, onde Bedrikow se comoveu com os relatos das famílias. “Conversei com uma menina que acompanhava o irmão, uma criança vítima de meningite. Pensei que, com um bom sistema de vacinação e atenção básica, esse tipo de caso talvez pudesse ter sido evitado”, refletiu. O episódio o levou a reforçar a importância da extensão universitária como ferramenta de transformação social e de troca mútua entre países do chamado “Sul Global”. “Não é só levar conhecimento, é aprender também. Essa relação sul-sul é fundamental”, afirmou.
Para o professor, experiências como essa evidenciam a urgência de fomentar práticas extensionistas conectadas à realidade concreta dos territórios. “Uma teoria boa só muda o mundo se estiver colada em uma prática concreta”, disse. Ele mencionou, por exemplo, a situação de crianças desnutridas que viu em Angola, uma realidade que já foi comum no Brasil nas décadas de 1980 e 1990. “Hoje, se eu quiser mostrar isso para um aluno em Campinas, é difícil. Lá, vi várias. Dá vontade de ajudar na hora”, declarou.
Essa aproximação internacional se concretiza, atualmente, com a presença de 50 médicos angolanos realizando estágios em unidades básicas de saúde em Campinas, onde têm a oportunidade de conhecer de perto o modelo brasileiro de atenção primária. A eles, a dimensão extensionista da universidade é apresentada por meio do programa Extensão Sem Fronteiras, uma iniciativa conjunta da Unicamp e da Unesp, coordenada pela Pró-reitoria de Extensão, Esporte e Cultura (ProEEC).

A partir da viagem, novas frentes de atuação estão sendo desenhadas. Segundo Bedrikow, áreas como fisioterapia, neurologia, cirurgia e anestesiologia despontam como prioritárias. “Há hospitais que realizam cirurgias sem anestesistas formados. São técnicos que atuam nessa função. É um campo em que podemos colaborar muito”, disse.
Além da formação de profissionais em território angolano, o professor também sustenta oportunidades de envio de estudantes e residentes da Unicamp para atuarem temporariamente no país africano. “A troca precisa acontecer nos dois sentidos. É assim que se constrói uma cooperação real”, afirmou Bedrikow. Mais do que resultados imediatos, o desejo do docente é que as reflexões geradas pela visita inspirem também uma nova consciência entre os estudantes. “Estar em contato com outras comunidades é o primeiro passo para a extensão. É esse contato que acende as ideias, desperta as perguntas e transforma a prática”, concluiu.