Unicamp e Museu Britânico documentam técnicas de pesca Kalapalo ameaçadas pela crise climática

Texto: Ana Ornelas | Revisão: Felipe dos Santos | Fotos: Antonio Guerreiro

Um projeto de pesquisa e extensão desenvolvido pela Unicamp em parceria com o Museu Britânico está documentando tecnologias tradicionais de pesca do povo indígena Kalapalo, no sul da Amazônia, com o objetivo de preservar saberes ameaçados pelas mudanças ambientais. A iniciativa é coordenada pelo professor Antonio Guerreiro, do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Humanidades (IFCH) da Unicamp e conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Unicamp (ProEEC) e com as co-coordenadorias da pesquisadora Marina Pereira Novo e do líder indígena Ugise Kalapalo, que também é mestrando na universidade.

Documentação do projeto de extensão que está sendo realizado com a Unicamp e o Museu Britânico.

O projeto surgiu como resposta direta a preocupações expressas pela própria comunidade acerca da situação de rios, lagos, córregos da região e, consequentemente, dos efeitos das transformações climáticas. Em outubro de 2023, a equipe descobriu um cenário crítico: “o Rio Culuene, que deveria estar alagando as áreas inundáveis, estava tão seco que dava para atravessar de moto ou bicicleta”, contou Guerreiro. Selecionado em um edital internacional do programa Endangered Material Knowledge Programme (EMKP), do Museu Britânico, o projeto envolve oficinas, ministradas por mestres tradicionais em espaços comunitários, visando a transmissão desses saberes às gerações mais novas e atividades de campo que registram, em foto, vídeo e áudio, o processo completo de confecção e uso das armadilhas de pesca tradicionais, além das percepções da comunidade sobre as mudanças ambientais. A primeira etapa de campo já foi realizada, e outras três estão programadas até o fim do ano.

Antonio Guerreiro em trabalho de campo em parceria com o Museu Britânico. (Foto: Marina Pereira Novo)

Para o professor Antonio Guerreiro, um dos aspectos mais importantes da iniciativa é o protagonismo indígena na coordenação do trabalho. “Ugise Kalapalo é um dos idealizadores do projeto. Ter um pesquisador indígena da casa liderando uma pesquisa em parceria com uma instituição como o Museu Britânico é algo que considero especialmente significativo. Isso muda a lógica de produção de conhecimento”, afirmou.

Com a pesca sendo uma das práticas centrais para a subsistência, a escassez de água representa uma ameaça à segurança alimentar e à cultura local. “É importante dizer que a pesca na região não é comercial, é uma atividade de subsistência, profundamente ligada ao modo de vida Kalapalo”, destacou o professor.

“O nível de detalhamento e a complexidade dos saberes ecológicos associados a essas tecnologias é fascinante. Cada armadilha envolve decisões altamente precisas sobre o tipo de material, a época de uso, a espécie que se quer capturar, a profundidade da água”, explicou Guerreiro. Segundo ele, os conhecimentos locais revelam uma sofisticada rede de conhecimentos sobre o ambiente, o território e os ciclos naturais. Mas essas tecnologias, adaptadas para áreas alagáveis ou rasas, estão sendo diretamente impactadas pela crise climática. 

Momento da pesca registrado para a documentação de tecnologias tradicionais de pesca.

“Com o aumento da temperatura das águas nos pequenos lagos, os peixes tendem a migrar para áreas mais fundas, fugindo do calor. Isso inviabiliza o uso das armadilhas nas áreas tradicionais onde elas sempre funcionaram”, explicou o pesquisador. 

O projeto prevê que parte significativa do material produzido será disponibilizada publicamente na base de dados do Museu Britânico, em três idiomas: kalapalo, português e inglês. “Com exceção de conhecimentos que os Kalapalo identificarem como sensíveis, o restante estará em acesso aberto, como forma de valorização cultural e conscientização pública sobre os impactos das mudanças ambientais”, revelou.

Guerreiro destaca ainda o papel político da iniciativa: “Estamos falando de uma região onde a pesca não é só fonte de alimento, é também um pilar ético e cultural. Os dez povos do Alto Xingu não praticam a caça como parte de sua escolha ecológica. Afetar a pesca é interferir diretamente na maneira como esses povos se entendem e se organizam no mundo”.

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